quinta-feira, 27 de maio de 2010

RAPOSA – SERRA DO SOL: O TEMPO DEU CHANCE PARA A VITÓRIA DA FARSA.

Por Rebecca Santoro

19 de março de 2009








Diz o ditado que 'em terra de cego, quem tem olho é rei'. Menos aqui 'nesthe paísth'. Por aqui, quem tem olhos, ouvidos e boca, todos funcionando muito bem, para enxergar, ouvir e dizer a verdade, é tratado com desdém, como alguém a quem não se deva dar ouvidos posto que, provavelmente, seja do tipo que possua mania de perseguição, do tipo que veja chifre em cobra.



Bem, assim tem sido no tratamento de inúmeras e sérias questões de interesse nacional. E não foi diferente no caso da decisão em relação à legalidade no caso da demarcação da reserva indígena Raposa - Terra do Sol em terras contínuas, finalmente, findado o julgamento no Superior Tribunal Federal (STF), ontem e hoje (19/03/2009).



Durante o processo de discussão nacional a respeito do tema, incontáveis artigos e reportagens jornalísticas apontaram os riscos, as possíveis ilegalidades (cometidas e a serem cometidas) e as prováveis injustiças que poderiam advir no caso de a reserva permanecer homologada de forma contínua, como assim o desejava o governo de FHC e continuou desejando, digamos, ardentemente, o governo Lula. Experimentaram fazer na marra, mas viram que a crise seria grande, de forma que optaram por amolecer a resistência dos contrários à demarcação contínua utilizando-se de recursos de ‘legalidades’. Ganharam tempo e, gramscinianamente, conseguiram realizar o isolamento das terras que sempre souberam que seria realizado.



Na hora derradeira, ou seja, no julgamento final da questão pelo STF, última instância judicial a que se possa recorrer, o único ministro – o único - daquela casa que foi capaz de dizer todas as verdades que precisariam ser ditas naquele tribunal a respeito do tema foi Marco Aurélio Mello. Ele, que havia pedido vistas em sessão anterior, fez um voto-vista longo, completo, irretocável e corajoso em defesa do Brasil – tendo provocado, inclusive, após seu voto, uma espécie de justificativa do ministro Ayres Britto por não ter dado voto nada parecido (clique no quadro ao lado e leia parte da discussão). Marco Aurélio humilhou todos os colegas pela precisão e veracidade de seu voto. Mas, como sempre se soube, nenhum deles modificou o voto já dado.  Apegaram-se à bengala dos 18 itens a serem respeitados em concessões de terras indígenas apresentados pelo ministro Celso de Melo em seu voto.



Como se não bastassem todas as questões de ordem ‘subjetiva’, como as de conceito de segurança nacional, de provável e futura falência do Estado de Roraima, etc., Marco Aurélio provou, incontestavelmente, a inconstitucionalidade da ação da União, no sentido da homologação das terras da reserva em contínuas, uma vez que baseada e justificada em dados fornecidos por apenas um dos lados interessados na questão (o dos que defedem a demarcação em terras contínuas). O Ministro recomendou que o processo inteiro de demarcação daquelas terras fosse reiniciado, dessa vez, com a participação de todos os interessados.



De nada adiantaram os esclarecimentos do Ministro, as reportagens de alerta e os artigos bem elaborados tratando da questão – sob diversos pontos de vista. “A parede é verde, todo mundo vê que é verde; mas, os ministros do STF e o governo decidiram que devemos todos observa-la como se outra cor qualquer tivesse”.



O ‘pacote’ de 18 medidas (leia no post abaixo), que acabaram por se transformar em 19, a serem consideradas depois de confirmada a legalidade da homologação da reserva (e que servirão para todas as demais demarcações no país) parece saído de mentes surrealistas. Isso porque, se obedecidas todas as medidas (e não me parece que a realidade assim se imponha ou venha, como que por milagre a se impor), não me parece que ninguém tenha saído lucrando com a decisão do STF. Os não-índios e produtores rurais, por motivos óbvios. Mas, os índios, por sua vez, ficarão com aquela inimaginável imensidão de terras para nelas só poderem habitar, basicamente, como seres condenados à estagnação evolutiva natural dos grupos humanos. Não podem usar as riquezas minerais da terra, principalmente para exploração comercial; não podem estabelecer relações com outros estados como se estados fossem,; não podem receber a visita de quem quer que seja, a menos que autorizada pela Funai e, acredite quem quiser, não poderão impedir a circulação de forças militares federais nem a instalação de bases; também não poderão impedir a instalação de estradas e de hidrelétricas, por exemplo, e não poderão cobrar pedágio nem taxas para sua utilização.



Ou seja, ou nada disso pretende realmente ser cumprido por tribo indígena nenhuma – e muito menos fiscalizada por governo nenhum - ou de nada adiantou a tomada das terras, porque não foi para viver como seres primitivos isolados que os índios lutaram (com a ajuda biliardária de poderosas Ongs internacionais) para ficar com uma imensidão de terras riquíssimas como as que compõem o solo da Raposa – Serra do Sol.



Uma coisa é certa: se alguma das nefastas previsões para a região se concretizar – seja a da desgraça da fome, da separação das famílias compostas por índios e não-índios, seja a de ocupação da região por guerrilhas, seja a instalação do roubo sistemático de riquezas de diversas naturezas; de quem irão os brasileiros cobrar explicações e justiça? Dos ministros do STF, na porta de suas casas? Das autoridades máximas do Executivo, na porta de suas casas? Na porta dos quartéis das FFAA? Quando tudo é uma farsa; quando a Justiça é uma farsa, a quem ou a o quê mais se pode recorrer?

Os 19 critérios que definem o processo demarcatório da reserva Raposa/Serra do Sol e que deverá servir como referência para outras ações.


1 - O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição);


2 - O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;


3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e das riquezas naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;


4 - O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;


5 - O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional, à instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai. É o livre transito das Forças Armadas e o resguardo das fronteiras;


6 - A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;


7 - O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;


8 - O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação, ou seja uma dupla afetação --ambiental e indígena-- fica sob supervisão e responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;


9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, ouvidas as comunidades indígenas --levando em conta usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;


10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

11 - Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;


12 - O ingresso, trânsito e a permanência de não índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;


13 - A cobrança (de pedágios) de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;


14 - É vedado negócio jurídico relacionado a terras indígenas, assim como qualquer ato que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos indígenas;


15 - É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;


16 - Os bens do patrimônio indígena, isto é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, 16, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;


17 - É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada. Se for para a Raposa/Serra do Sol, a medida é válida, mas para outras reservas, o tema deve ser submetido a discussões jurídicas;


18 - Os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis;


19 - Assegurada a efetiva participação de todos os entes da Federação.

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